segunda-feira, 24 de novembro de 2014

Meu Filho E O Lobisomem



BASEADO EM  UM RELATO REAL 




Era sexta-feira da paixão, noite de lua cheia.

Eu estava lavando a louça quando eles chegaram. Ouvi a porta batendo, e vi os dois na minha sala, ofegantes, quase mudos com o terror estampado em seus rostos. O amigo do meu filho estava tão branco que parecia como flor de algodão. Assim que eles se aclamaram, me contaram a história toda, que vou descrevê-la para vocês.

O meu filho mais novo e um amigo dele estavam voltando da casa de uma amiga deles. Já passava da meia noite. E como toda mãe, lógico, eu estava muito preocupada.

Eu moro em uma pequena cidade rural, onde há muitos mistérios.  Nós temos um grande celeiro rodeado por muito mato, e muitas árvores. O caminho de volta para casa passava em frente a esse armazém.

Eles vieram conversando e brincando, foi quando eles ouviram um barulho vindo das arvores.  Crianças são seres curiosos por natureza, então eles foram ver qual a razão do ruído. Atitude que os deixou arrependidos pelo resto de suas vidas.

Meu filho foi o primeiro a se embrenhar no mato. Ele foi avançando aos poucos, afastado os ramos de arbustos do rosto, pé ante pé. O brilho refletido pela lua passava por entre os galhos das árvores, iluminando aquela estranha figura. Parecia ser um homem. Sua respiração estava ofegante, e ele estava encurvado, com os quatro membros no chão, como se estivesse com dores.

_Ei moço, o senhor está bem? _ disse meu filho em voz baixa, enquanto se aproximava.

Esse “homem” se virou, rapidamente. Foi quando meu filho viu aquilo. Tomado pela total paralisia de seu corpo, não conseguia falar, nem se mexer, tamanho foi o seu terror.

Seus olhos eram vermelhos. A boca era cheia de dentes pontiagudos, enormes, de modo que mal cabiam na boca, unhas compridas e afiadas. Sua calça e sua camisa estavam todas rasgadas. Sob a luz da lua que atravessava a folhagem das árvores, podia-se perceber que seus pelos eram negros e espessos. Esse estranho ser o olhou diretamente nos olhos, o que fez sua alma gelar.

Mas a criatura não fez nada. Parecia que estava nos estágios finais da transformação.

Como o garoto demorou pra voltar, seu amigo também foi ver o que estava acontecendo.

_E ai Lino, o que é? _Chamou seu amigo, correndo atrás dele

Chegou lá, viu e começou a gritar com aquela visão aterradora. Os gritos fizeram meu filho voltar a si. Instintivamente eles saíram correndo de lá. Pense em dois caboclinhos que correram.

_Mas mãe, é verdade! Eu vi esse bicho!

_me levem ate lá pra eu ver se é verdade! _ Disse eu, rindo, de tão inverossímil que me era essa história. Devo confessar, quase morri de tanto rir deles. Eles choravam de raiva de mim do tanto que eu ri deles. Ora essa! Duas crianças, inocentes, cujas mentes fantasiam coisas que não existem, eu achei que fosse a imaginação deles.

Eles não quiseram me levar. Um tempo depois, começaram os rumores de que já houve muitas pessoas aqui que já viram este tal lobisomem... Só que é um mistério muito grande...

Foi então que fui tomada por um misto de culpa e temor, por não ter dado crédito ao relato do meu filho, e talvez tê-lo perdido. Ele poderia ter morrido!  Foi a mão de Deus que os poupou naquela noite.

Os boatos se espalharam, mas não houve mais relatos a respeito. Talvez pelo fato da vizinhança ter sido tomada pelo receio de sair à noite. Ninguém quis se arriscar pra ver se a história é verdadeira.

segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

O Estranho Livro Dos Lobisomens






O sol estava brilhando intensamente em um belíssimo céu azul sem nuvens. Era de manhã e o calor estava intenso 
Eu estava passeando numa rua onde havia muitas lojas, e, portanto o comércio era abundante. Parei pra olhar algumas, simplesmente para passar o tempo, até que vejo uma lojinha que vendia antiguidades de todo o tipo; espadas, porcelanas, joias, documentos... Entrei na loja procurando algo que eu achasse interessante, por puro acaso. Era a primeira vez que estava nessa cidade, então tratei de conhecer logo todos os lugares possíveis. A loja era grande, com três andares. E cada andar, estava repleto de estantes e prateleiras. Eu vejo o vendedor da loja, um senhor gordo, de barba escura, com cara de bravo, mas ainda sim, com um jeito super gentil, e então eu pergunto:
_ Senhor, há livros antigos nessa loja?
_Sim, meu jovem _ Disse-me ele, mostrando um convidativo sorriso, cheio de dentes brancos _ no segundo andar. Por favor, me acompanhe.
Fomos até as escadas no fim do cômodo, subimos, e ele me mostrou onde fica a seção de livros
_O que mais deseja?_ indagou com seu jeito simpático de ser.
_Nada, só isso mesmo. Obrigado _ respondi, de bom humor. Mas que alegria contagiante a desse homem!
_Então tudo bem. Vou voltar lá pra baixo. Caso queira algo mais, não hesite em me chamar
Ele se foi, e fui deixado à vontade. E fiquei lá durante horas! Como amante dos livros que sou, senti-me como em um parque de diversões, com todo aquele acervo.
Segui pelas prateleiras empoeiradas, olhando cada livro, tirando o pó deles, apreciando as capas, ate que pego um com um símbolo de lobo, e em baixo do símbolo estava escrito LOBISOMEM.
Então peguei o livro, que por sinal estava cheio de poeira. Era um volume muito grande e pesado, grosso, e de capa dura. Fui caminhando pelo imenso até encontrar um lugar para ler o livro. Deparo-me com algumas poltronas acolchoadas, e boa iluminação. Perfeito! Um lugar perfeitamente adaptado para o caso de alguém ler por lá! Que loja maravilhosa!
Quando começo a folhear as páginas, observo os desenhos estranhos de lobos, e de alguns humanos também. Os textos estavam em outra língua que não sei dizer como era. Os caracteres eram de um idioma que nunca vi antes*. Não entendi nada do que estava escrito, mas as figuras eram bem interessantes. Conforme fui folheando o livro, os caracteres pareciam saltar à minha vista. E estavam realmente saltando aos meus olhos! Mais que isso, eles estavam rodopiando ao meu redor!
Então o inexplicável acontece: o clima na sala começa a mudar. Começa a soprar uma brisa leve, como se eu estivesse do lado de fora. Minha cabeça começa a rodar, e do nada, quando tudo para de rodar, percebo que estou em outro lugar. Como diabos eu fui parar ali? E onde estava o livro?
Eu estava numa estrada fora da cidade onde eu estava anteriormente. Essa estrada se bifurcava em duas. Uma levava pra cidade e a outra ia pra uma floresta, então fui pra floresta e pelo jeito ainda era de manha.
Conforme vou adentrando pela floresta, percebo que a claridade vai diminuindo, de tão espessa que é a vegetação. Foi aí que pensei: que merda que eu fiz? Resolvo voltar, mas daí eu percebo que perdi a trilha! E outra: a floresta já é escura. Então percebo que as sombras estão aumentando. Ou seja, está anoitecendo.
Ah ótimo! Estou perdido, e ainda percebo que está ficando de noite. É quando ouço a vegetação se movendo atrás de mim. Eu me viro num sobressalto, e vejo um vulto passar pelas sombras, e depois escuto um uivo. Certamente era um lobo me caçando. Ainda tive um vislumbre de dois pontos amarelados por entre as sombras. Não pensei duas vezes e comecei a correr instintivamente a esmo pela floresta, esbarrando em uma árvore a cada passo, de tão densa que era a floresta. Só paro quando vejo que não tinha mais nenhum sinal da coisa que estava me seguindo.
 Ofegante, me apoio numa arvore. Mas ainda sinto que estou sendo observado. Viro-me pra trás e vejo um vulto de uma pessoa parada. Não sei por que raios eu fui até essa pessoa. Acho que talvez eu tenha tido alguma esperança dessa “pessoa” me tirar daqui. E quando chego perto essa pessoa começou a me dizer:
_Você até que corre depressa.
Essa voz não parecia amistosa. Parecia como se ele estivesse me dando uma bronca.
_O que acha que está fazendo aqui? _Continuou ele, elevando a voz_ Como ousa invadir meu território de caça, e perturbar minha paz?!
Estava muito escuro. Não vi o rosto desse homem, nem sabia o que estava ele vestindo.
_Eerr... _balbucio. Nessa altura eu já estava quase molhando minhas calças _ Me desculpe senhor, se me der licença, eu já estou de retirada, e peço desculpas pelo incômodo.
Viro de costas e já vou indo embora quando olho pra cima, e vejo a lua cheia brilhando por entre aberturas entre os galhos.
_DESSA VEZ VOCÊ NÃO VAI A LUGAR NENHUM_ Disse ele numa voz gutural
Isso me faz olhar pra trás pra ver o que estava acontecendo, olho para o cara que estava falando comigo e vejo ele se transformando numa espécie de lobo com pelos meios castanhos, e um pouco maior que a média dos lobos.
“Pronto, ferrou. O cara é um lobisomem”, pensei. Foi então comecei a maldizer o dia, desejando não ter saído da cama. Eu estava paralisado de medo e não conseguia me mover quando ele me olhou pra mim, vendo aqueles olhos amarelos brilhando, os mesmo que vi anteriormente na fuga. Senti um frio subindo por minha espinha dorsal, e não sabia se corria ou não. Uma pergunta estúpida eu creio, porque minhas pernas não se moviam.
Então ele avançou pra cima de mim, me derrubando no chão coberto de folha e galhos secos, com suas imensas patas no meu peito, interrompendo minha respiração, e sua baba pingando no meu rosto, escorrendo de seus dentes salientes. Luto para me levantar, mas sem sucesso. Esse bicho deve pesar quase uma tonelada. Olho nos seus olhos amarelos, e vejo um vislumbre de um sorriso malicioso. Fecho os olhos e começo a chorar em parte por medo, em parte pela lembrança da minha família. Eu espero pela dentada no meu pescoço, ou no meu rosto, ou em qual quer outra parte do corpo. Mas ela não vem.
Nem sei por quanto tempo eu fiquei de olhos fechados, mas só abri quando percebi que a pressão no meu peito já não mais existia. Me vejo naquela estranha biblioteca de novo. Acordo deitado no chão (se bem que não sei bem se estava sonhando mesmo), sentindo um medo terrível, o coração batendo como um tambor de escola de samba. Levanto-me e quando olho para a porta da biblioteca, vejo o lobisomem de novo, mas na forma humana, em pé com o mesmo sorriso malicioso de antes. Ele corre em minha direção numa velocidade impressionante, e no meio da corrida ele se transforma de novo. Fecho os olhos e grito, esperando o ataque, mas de novo ele não acontece. Abro os olhos e me vejo de novo sentado à mesa, com o livro aberto na minha frente, como se eu nunca tivesse saído de lá.
_UAU!! _Exclamo, e começo a rir de êxtase.
Depois que a tempestade hormonal no meu corpo cessou, peguei o livro, fui ate o vendedor e mostrei pra ele, e eu pergunto:
_Senhor, quanto custa esse?
Ele pega o livro, e o analisa, com uma cara de “que livro é esse?”, e me diz:
_Nossa! Eu quase tinha me esquecido desse livro! Faz anos e anos que ele está aqui, mas ninguém se interessou por ele até agora. Bom, façamos o seguinte, já que ninguém se interessou por ele além de você, pode levá-lo de graça. É óbvio que não conseguir ganhar nada com um livro velho desse.
_É sério mesmo, senhor? _Pergunto desconfiado, mas exultante.
_Nunca falei tão sério em toda minha vida _ Disse-me ele sorrindo
Ele embalou o livro numa sacola, e me deu. Agradeci e saí da loja. Não sei porque, mas acho que esse último sorriso parecia dizer “graças a Deus eu me livrei disso”.


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NOTA DO AUTOR
*este idioma desconhecido chama-se hidse, o idioma falado entre os clãs de lobisomens

adaptado do sonho do leitor, Felipe André

segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

Fazenda Abandonada


Noite nublada. Dois irmãos, fazendeiros, no alto do celeiro, um de cada lado, com suas carabinas engatilhadas, cobertos debaixo de montes de feno.

O celeiro estava velho, quase caindo aos pedaços. Madeira corroída, cheia de buracos de cupins, telhas faltando. Estava localizado no meio do nada. Antes aquele lugar era cercado por hectares de trigo a se perder de vista, mas no momento, o horizonte não passava de um deserto de terra.

Silêncio. Apenas silêncio. Com exceção do pequeno leitão amarrado lá embaixo, o único remanescente, servindo de isca para uma presa, um predador, fuçando o chão, coberto de palha e poeira, e o vento uivando lá fora, levantando a terra solta para o alto.


               O leitão, de repente, começa a ficar inquieto, a guinchar e grunhir. Os dois fazendeiros imediatamente ficam tensos. O suor escorrendo de imediato pelo rosto. Uma troca de olhares, e uma confirmação: "é ele", diz a expressão facial de cada um.

O leitão começa a se debater, tentando em vão arrebentar a corda que o prende. Uma silhueta surge ao longe, andando calmamente. Conforme ele se aproxima, a tensão aumenta, e pode-se discernir sua forma: uma figura aparentemente humadóide, algo que parecem ser duas orelhas pontudas, e seus dois inconfundíveis olhos amarelos, que pareciam brilhar no escuro.
Ele chega perto da entrada, e se apoia no batente. Dá uma espreitada lá dentro e ergue o focinho, farejando o lugar, captando qualquer outro ser que não seja o porco. Então ele rosna! Foram descobertos! Tentaram enganar um predador por natureza, um caçador inato, com um truque tão simples

Ele se afasta, e começa a correr pelo lado esquerdo do celeiro.

_ele vai nos emboscar! _Grita o fazendeiro do lado direito, em desespero_ Fomos descobertos!


       Dito e feito. Simultaneamente, a criatura começa a escalar facilmente a madeira decrépita, perfurando-as com suas garras pontiagudas. Em apenas um instante, ele entra por uma das aberturas na parede, dando um salto felino, indo parar em cima do pobre fazendeiro do lado esquerdo. Instintivamente, os dois apontam as armas para o lobisomem. Mas ele é muito mais rápido. 

Meio sem jeito, o pobre fazendeiro encosta o cano da arma no peito dele, durante o bote. Mas devido ao susto repentino, somado à tensão, ele não teve tempo de fazer a mira.  O lobisomem cai sobre o cano, fazendo a coronha da arma bater no seu peito do homem, e o homem cai pra trás. A arma dispara, não por que ele puxou o gatilho, mas pelo impacto da queda.

     Logo em seguida ouve-se a detonação do gatilho da arma, o arfar do fazendeiro, que teve alguns ossos da costela quebrados, e o urro de dor do lobisomem, que teve seu peito perfurado pelo disparo a queima roupa, fazendo recuar. Um tremendo golpe de sorte!

O disparo do outro fazendeiro acertando a coluna dorsal dele, ao mesmo tempo em que o lobisomem larga os braços do homem ferido. Então ele urra mais intensamente. Ele se afasta cambaleando. Cai sobre os quatro membros e tenta uma corrida de fuga, em direção à parte de trás do celeiro, mas devido aos ferimentos, o máximo que consegue é se arrastar.

_Bom trabalho, Carlos! AAII! Parece que o incapacitou! _Disse o fazendeiro ferido.

O lobisomem enfim sucumbe e cai no chão, mas não está morto, apenas descansando, pois ainda se ouve sua fraca respiração, muito sangue espalhado no chão

_Depressa, Carlos! Acabe com ele! 

Carlos corre em direção de onde está o lobisomem e pega um machado pendurado na parede mais próxima, quase cego pela ferrugem.

_Sim! Eu vou acabar com ele! Mas vou cortar o mal pela raiz. Até porque esses bichos não morrem fácil assim!

Dito isso, ele chega perto da criatura, que pressente que algo de ruim vai acontecer a ela, abre os olhos levemente, e tenta se levantar. Carlos desfere o primeiro golpe no pescoço dele. Ele cai de novo, dessa vez imóvel. Dois golpes. Três golpes. No quarto golpe, a cabeça do bicho se desprende do corpo, e sai rolando para a parte debaixo do celeiro, na frente do porquinho, que estava se debatendo até agora, muito sangue esguichando muito sangue pela aorta.

Os dois fazendeiros respiram aliviados, as pernas trêmulas de tensão. Carlos se aproxima do seu irmão, que já estava tossindo sangue. As costelas quebradas perfuraram o seu pulmão.

_Consegue levantar, Fernando? _ Disse Carlos.

_Sozinho não!

Os braços de Fernando estavam sangrando, devido ao ataque do lobisomem. Na hora do bote, a criatura segurou seus braços, as garras penetrando na carne, rasgando seus músculos, incapacitando a maior parte dos movimentos. Sem falar da dor paralisante nas costelas.

_É isso né? Acabou? _ arfou Fernando, ao ser posto de pé, se apoiando no ombro de seu irmão.

_Sim! Acabou! Vamos reconstruir tudo isso! Começar do zero. Mas só pra garantir, vamos queimar esse corpo pela manhã.

O corpo já não era mais do lobisomem. Já havia voltado à forma humana.

Passadas algumas semanas, a notícia que o lobisomem fora morto se espalhou. Já haviam comprado um pouco mais de trigo para recomeçar suas plantações. Mas a terra e o celeiro, e as outras construções da fazenda ainda estavam mal cuidados. Ainda teriam muito trabalho pela frente.

 FIM